sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

6 - Negócios ruinosos? A falta de atenção. (revisões)

Por que é que fazemos negócios ruinosos?

A falta de atenção.

Agora que já jogámos algumas partidas de xadrez e já temos uma ideia do que é o jogo, está na altura de fazer algumas revisões para percebermos melhor alguns conceitos que já vimos na prática.


Quando começamos uma partida de xadrez temos o mesmo material que o nosso adversário: os dois jogadores têm oito peões, duas torres, dois cavalos, dois bispos, uma dama e um rei.
Mas ao fim de algumas jogadas é muito provável que se façam algumas trocas que vão reduzindo gradualmente o tamanho dos dois exércitos.

Se se trocarem peças de igual valor, o material disponível por cada jogador mantém-se o mesmo.

Esta igualdade material é a regra nos jogos dos jogadores mais experientes (pelo menos até uma fase avançada do jogo).
Contudo, nas partidas entre iniciantes tal constitui uma excepção: normalmente, os jogadores são atraídos para comer tudo o que mexe, mesmo que essa captura não lhes seja benéfica!
Nunca é demais lembrar que o objectivo do jogo de xadrez é dar xeque-mate ao adversário, não é comer peças.
Mas adquirir vantagem material (isto é, conseguir comer peças do adversário que sejam mais valiosas que aquelas que ele nos come a nós) é um dos melhores métodos para concretizar aquele objectivo: quanto maior for a nossa superioridade material (quantas mais peças e peões tivermos a mais que o nosso oponente), mais fácil é ultrapassar a sua resistência.

Assim, quando estamos em vantagem material devemos tentar trocar as peças (e não os peões) pois, deste modo, o adversário terá mais dificuldade em se defender (e podemos promover um peão a Dama).

E, pelo contrário, se estivermos em desvantagem material, devemos tentar trocar peões e evitar trocar as restantes peças (dama, torres, bispos e cavalos) para termos mais possibilidades de resistência.
A procura do ganho de material é a estratégia mais simples de uma partida de xadrez.
Mesmo que não consigas ganhar material, o facto de ameaçares fazê-lo coloca o teu adversário a jogar à defesa.
É que quando se tem já algum conhecimento do jogo, às vezes basta ter um peão de vantagem para trocar as peças e entrar num final em que esse peão é promovido a Dama, permitindo que ganhemos o jogo.
Como esconder um erro...

Todos os jogadores, com maior ou menor frequência, perdem material.
A boa notícia é que podemos aprender as técnicas com que se ganha material e depois fazer duas coisas: tentar aplicá-las ao nosso adversário e evitar que ele as aplique em nós.
Vamos rever quais as formas mais habituais de perder material, nomeadamente as que resultam de falta de atenção.
É que “antes de conseguirmos jogar bem, temos que deixar de jogar mal!

MOTIVOS QUE HABITUALMENTE LEVAM À PERDA DE MATERIAL:
I. FALTAS DE ATENÇÃO


A) Deixar as peças desprotegidas;
B) Permitir que as nossas peças sejam cercadas.
II. ELEMENTOS TÁCTICOS 
São coisas de que já ouviram falar (pregagens, garfos, ataques a descoberto...). Hoje vamos sistematizar alguns conhecimentos, mas estas técnicas de ganhar material vão ser tratadas nos nossos próximos encontros.

I. AS FALTAS DE ATENÇÃO
Quanto estragamos um jogo devido a um erro que perde material, não há dúvida que os únicos culpados da derrota somos nós.
A única coisa que há a fazer é aprender com essa falha e tentar estar mais concentrado nos jogos seguintes.
Felizmente HÁ UM PEQUENO TRUQUE que nos pode ajudar a melhorar a concentrar.
Quando for a nossa vez de jogar devemos perguntar-nos:
- “Por que é que ele fez esta jogada? Qual é o seu plano?”
Se percebermos quais são as intenções do nosso adversário é muito mais fácil tentar evitar que ele concretize as suas ideias.
Mas só isto não chega. Também é preciso garantir que a nossa jogada não é má.

Para isso, antes de respondermos ao adversário devemos perguntar-nos:

- “Se eu estivesse no lugar dele e me jogassem o que estou a pensar fazer, como é que responderia?”


Se ao responder a esta segunda pergunta não encontrarmos nenhuma refutação para o nosso lance, então podemos fazer a jogada.
Se fizermos sempre estas duas perguntas, o número de faltas de atenção vai diminuir bastante.
“Oh! Não vi que ele podia comer!”
Esta é uma das desculpas mais comuns para as nossas faltas de atenção e já foi utilizada, e mais do que uma vez, por todos os xadrezistas.
Deixar uma peça “no ar” é algo que, numa partida entre iniciantes, acontece mais cedo ou mais tarde.
Trata-se da forma mais disparatada e menos necessária de perder material!
É que bastariam apenas mais uns segundos de reflexão, antes de jogar, para verificar que todas as nossas peças se encontravam protegidas.
Se o jogador tivesse feito a segunda pergunta do truque (“Se me jogassem o lance que eu estou a pensar fazer, como é que responderia?”), provavelmente teria visto que poderia comer a peça e, assim, em vez de ter feito o erro, teria procurado outra jogada.
Certo que, por vezes, os jogadores mais experientes oferecem material de propósito mas estes sacrifícios materiais têm sempre em vista uma compensação (por exemplo, colocar melhor as peças, ganhar vantagem no desenvolvimento ou, mesmo, dar xeque-mate). Vamos ver:
Nesta posição, as brancas e as negras têm o mesmo material – 2 peões, 1 torre, 1 cavalo/bispo e 1 dama.

E, em princípio, seria disparatado trocar a dama por uma torre que é uma peça menos valiosa.
No entanto, as brancas eram um jogador experiente que já conhecia muito bem o mate de Rei e Torre vs Rei e o  mate do fundinho (o que acontece quando o Rei está sozinho na última fila e os três peões do roque não foram movidos - também conhecido como o mate do corredor) e reparou que se o Rei fosse para g8, depois não poderia ir para f7 ou g7 (por causa dos seus peões) nem para h7 (por causa do Bispo em f5).
Então, sacrificou a Dama pela Torre, jogando Dxg8+!
As negras foram obrigadas a tomar: Rxg8
E seguiu-se Te8# - xeque-mate!

Mas vamos lá voltar ao que nos interessa agora..
Nas partidas entre iniciantes, as ofertas de material normalmente não têm em vista a obtenção de qualquer vantagem.
Estas propostas de negócio ruinoso acontecem porque:
1. O adversário atacou uma das nossas peças e nós não demos conta;
2. Jogámos uma peça para uma casa que não estava protegida;
3. Jogámos uma peça que estava a proteger a que “ficou no ar”;
4. A peça defensora estava impedida de capturar a atacante.
I.A -FALTAS DE ATENÇÃO - DEIXAR AS PEÇAS DESPROTEGIDAS
I.A.1. O adversário ataca uma das nossas peças e nós não damos conta
Esta é a falta de atenção mais difícil de aceitar, uma vez que resulta, apenas, de não termos prestado a atenção necessária à jogada do adversário.

E isto só acontece se não fizermos a primeira pergunta do pequeno truque: “Por que é que ele fez esta jogada?” ou “Qual é o seu plano?
É que, para responder a estas perguntas, temos que fazer duas coisas:

- Analisar as casas para onde pode ir, na jogada seguinte, a peça que o adversário jogou; e

- Verificar se o último lance do adversário activou outra peça.
Se fizermos isto daremos SEMPRE conta que o adversário nos atacou.
Com este truque acabam-se estas faltas de atenção.
Reparem:
I.A.1.a - O que é que a peça passou a poder fazer?
Uma partida inicia-se com a Abertura Italiana - Defesa dos dois Cavalos:

1. e4 e5 (para controlar o centro)
2. Cf3 Cc6 (desenvolver os Cavalos em direcção à casa e5)
3. Bc4 (apontando ao peão fraquinho e preparando o roque)
3. ... Cf6


A primeira pergunta a fazer é:
Por que é que ele jogou o Cavalo para ali?
E quando verificarmos que casas passou o Cavalo a controlar,
... vamos verificar que o nosso peão de e4 está a ser ameaçado e não está protegido:
E por isso jogamos 4. Cg5:

... protegemos o peão de e4...

Mas não só!
Se as negras confiarem que sabem por que é que o Cavalo foi para g5 (para proteger o peão de e4), podem continuar despreocupadamente com o seu plano...

... e desenvolver o Bispo (4. ... Be7) para depois fazer roque ...
Só que depois vão abrir muito a boca...

"Ah! Não vi que ele podia comer!"
5. Cxf7
Lá se vai o peão fraquinho...

... e, mais desagradável, na jogada seguinte, a Dama também!


Um Cavalo (3 pontos) por Dama (9) e peão (1).
Um negócio ruinoso para as negras de -7 pontos.

E porquê?

Porque falharam a pergunta mágica:

Por que é que ele jogou o Cavalo para aqui?


Nem analisaram as casas para onde o Cavalo podia ir a seguir...
Se o tivessem feito, teriam visto que além de proteger o peão de e4, as brancas atacaram o de f7

E poderiam ter encontrado um lance que defendesse o peão de f7 e aumentasse a pressão sobre e4 ao mesmo tempo, sem perder material.



4. ... d5!

Bloqueia a diagonal ao Bc4 e reforça o ataque ao peão central das brancas.


I.A.1.b - O que é que a peça deixou de fazer?

Às vezes, o ataque surge “a descoberto”, o que é mais difícil de diagnosticar.

O “descoberto” acontece quando o adversário joga uma peça que, ao ser jogada, liberta uma linha, coluna ou diagonal onde outra peça passa a atacar.

Também é preciso estar atento a isto e, por isso, além de analisar para onde pode ir a peça que o adversário jogou, também temos que ver se ele activou outra peça.
Vamos ver estas situações melhor nos próximos encontros, mas aqui fica um exemplo:


São as brancas a jogar.

Elas avançam o peão para e6:


As negras verificam que nada está a ser ameaçado pelo peão

e capturam-no, ainda por cima ameaçando a Torre:


E as brancas agradecem!


Perderam um peão (1 ponto) mas ganharam um Cavalo (3 pontos).


O que é que correu mal para as negras fazerem um negócio ruinoso de -2 pontos?

Por um lado, quando o peão branco avançou, só se preocuparam em ver para onde é que ele podia ir.
Não se perguntaram o que é que ele tinha deixado de fazer.



Se o tivessem feito, viam que o peão tinha deixado de bloquear a linha 5...
(e, já agora, a diagonal a1-h8: vá lá que o ataque do Bispo ao peão g7 não era grave, pois a Torre estava já a defender o peão)

Por outro, quando decidiram capturar o peão com o Rei, não fizeram a segunda pergunta da praxe: "Se me jogassem o lance que eu estou a pensar fazer, como é que responderia?”

Se o tivessem feito, de certeza que não fariam este negócio ruinoso.

Mas nos próximos tempos voltaremos a estas ameaças a descoberto.
Para já, continuemos nas faltas de atenção mais escandalosas!


I.A.2. Jogar uma peça para uma casa que não está protegida
Parecida com a falta de atenção que acabamos de ver é aquela que acontece quando optamos por jogar uma peça para uma casa que não está protegida.
Também aqui não há ninguém para arcar com as culpas a não ser nós próprios.
Este infeliz resultado pode ser evitado se, uma vez mais, recorrermos ao pequeno truque das perguntas antes de jogarmos.
Se, depois de escolhermos a jogada que queremos fazer, nos perguntarmos qual será a resposta do adversário, é provável que vejamos que podemos perder a peça.
E, neste caso, a solução será procurar uma jogada melhor.


Outro exemplo:



I.A.3. Jogar uma peça que estava a proteger que ficou "no ar"

Jogar o defensor de uma peça que estava a ser atacada é outra das formas habituais de os iniciantes perderem material.

Isto acontece porque os jogadores menos experientes estão normalmente mais preocupados em pensar no papel que a peça vai ter na casa para onde a querem jogar do que na função que ela desempenha na casa onde se encontra.

No início é difícil fazer estes cálculos mas com a prática eles tornam-se naturais.

Aliás, às vezes o jogador até consegue ver que a peça que quer jogar tem um papel defensivo importante mas, mesmo assim, joga-a, pois pensa que um “fantasma” dessa peça continuará na casa inicial…

Vamos ver um exemplo:


As negras olham para a posição das brancas à procura de peças desprotegidas ou pouco protegidas e encontram um alvo: o peão de h3.

Por isso jogam ... Bf5.


As negras estão a atacar o peão de h3 com duas peças: a Dd7 e o Bf5.
As brancas só estão a defender o peão de h3 com uma peça: o Bg2.

Por isso, decidem fortalecer a defesa com Rh2:


Agora o peão de h3 está protegido: tem dois defensores contra dois atacantes!

Mas...

O que é que o Rei branco deixou de fazer?

Voltemos à posição inicial:

O Rei branco estava a defender o peão de f2 do ataque do Bc5!
Depois de Rh2, as negras ganham na mesma um peão com Bxf2:

Teria sido melhor para as brancas defender o peão de h3 de outra forma:

avançando o peão para h4!

Assim, o peão f2 continuaria defendido e apesar de as negras controlarem a casa h3, não haveria lá nada para elas capturarem.


I.A.4. A peça defensora está impedida de capturar a atacante


Por vezes acontece que, apesar de utilizarmos o truque das perguntas, há certas posições que são mais difíceis de ver no tabuleiro.

É o que acontece no caso das pregagens, uma vez que nem sempre é fácil relembrar que uma peça não se pode mover porque o Rei, ou outra peça mais valiosa, está atrás dela.

Nos próximos encontros veremos com mais pormenor alguns elementos tácticos, entre os quais a pregagem, mas, de qualquer modo, podemos ficar desde já alertados para esta realidade.

Quando se prega um prego na parede, normalmente é para pendurar qualquer coisa.
No xadrez não é diferente.

A pregagem ocorre quando uma peça pressiona uma do adversário que, atrás de si, na mesma linha, coluna ou diagonal, tem outra mais valiosa.

Assim, se pregarmos uma peça ao adversário, ele não a pode mexer pois, se o fizer, a peça que está atrás dela poderá ser capturada.



Nesta posição, as negras, apesar de estarem atrasadas no desenvolvimento (ainda não tiraram do quartel as suas tropas e o Rei ainda não está protegido junto ao canto), têm a situação controlada: a única pressão no centro do tabuleiro é sobre o peão d5, mas as negras têm dois defensores contra apenas um atacante.


As brancas continuam o seu desenvolvimento com Te1.
Com esta jogada atacam a Dama negra e colocam a Torre na coluna em que está o Rei negro.


As negras defendem-se recuando a Dama para c7...


... e com um atacante contra um defensor em d5,

parece que tudo continua controlado, certo?


ERRADO!

 
Não é possível às negras jogar exd5, pois tal colocaria o Rei em xeque (o que é ilegal) devido ao posicionamento da Torre em e1.

E agora que já entramos na fase de ser engraçadinhos, o último alerta para acabar:


I.B -FALTAS DE ATENÇÃO - PERMITIR QUE AS NOSSAS PEÇAS SEJAM CERCADAS

Se não pensarmos no que queremos fazer a seguir...

 ... corremos o risco de nos enfiarmos no fundo do poço!
Nos próximos exemplos, antes de se movimentar, o Senhor Bispo não se perguntou “Se eu estivesse no lugar das negras e me jogassem o que estou a pensar fazer, como é que responderia?”
O resultado foi ruinoso...

Um bispo (3 pontos) por um peão (1 ponto), por não ter para onde fugir...


Outro bispo (3 pontos) por um peão (1 ponto), por não ter para onde fugir...


Muito cuidado quando, em vez de jogar para o centro, se joga para os lados do tabuleiro!
E pode acontecer a qualquer um.
Até à D. Dama...

É mesmo preciso ter muito cuidado quando,
em vez de jogar para o centro,
se joga para os lados do tabuleiro!

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